O policial penal José Rodrigo da Silva Ferrarini, que atirou no entregador Valério Junior na última sexta-feira (29) e foi preso neste domingo (31), alegou à polícia que o disparo foi acidental — versão sustentada antes e depois da prisão, segundo afirmou o delegado Marcos Buss, da 32ª DP (Taquara).
Antes de o caso ganhar repercussão, o próprio Ferrarini procurou a polícia para comunicar o fato. “Ele admitiu que se envolveu numa discussão com o entregador porque ele não teria se disposto a levar o lanche na casa dele. Em dado momento dessa discussão, segundo ele, a arma dele disparou acidentalmente e atingiu o motoboy”, narrou.
Por essa razão, Ferrarini acabou liberado após esse depoimento. As imagens de Valério viralizaram, e Buss decidiu pedir a prisão do agente. O mandado foi expedido pelo Plantão Judiciário e cumprido na tarde de domingo.
A prisão preventiva foi mantida durante audiência de custódia, e Ferrarini foi levado para o Presídio Constantino Cokotós, em Niterói, unidade destinada a policiais presos.
“Até o momento, ele mantém a alegação de que o disparo teria sido acidental. Tão logo tivemos contato com as imagens do fato, constatamos que, pela própria dinâmica, esse disparo foi voluntário”, disse Buss.
“Uma pessoa que aponta uma arma de fogo para outra, seja em qualquer parte do corpo, e puxa o gatilho no mínimo assume o risco de causar a morte”, declarou o delegado.
Afastamento do cargo
Antes de Ferrarini ser preso, a Secretaria Estadual de Administração Penitenciária (Seap) informou que o afastou por 90 dias e, em nota, declarou a conduta do servidor como “abominante”.
“A Polícia Penal não compactua em hipótese alguma com atitude como essa, atitude repugnante e que não representa a grande maioria dos policiais penais do Rio de Janeiro”, declarou a secretária Maria Rosa Nebel. “A corregedoria da Seap está acompanhando o caso junto à delegacia de polícia, e nos solidarizamos com o entregador Valério Júnior”, emendou.
Um processo administrativo disciplinar foi aberto contra Ferrarini.
A confusão ocorreu na Rua Carlos Palut, no conjunto de prédios conhecidos como Merck — são vizinhos à fábrica.
O entregador Valério Junior chega ao endereço e avisa a Ferrarini para buscar o pedido no portão do condomínio. O agente exige que Valério suba até o apartamento, o que é negado.
O policial penal, então, vai ao encontro de Valério, que passa a gravar a conversa. “Você não subir é uma parada!”, reclamou Ferrarini. Valério começa a relatar a situação no vídeo. “Tá ok. Estou na Merck...”, narra — mas é interrompido por Ferrarini, que atira no pé direito do entregador.
“Então valeu!”, respondeu o policial, enquanto Valério se contorce de dor. “Que isso, cara!?”, questiona o motoboy. “Que isso é o c*ralho”, repete Ferrarini. “Bora, me dá minha parada!”, exige o policial. “Tá me filmando por quê, p*rra!?”, pergunta o agente.
Valério, já com o pé ensanguentado, diz ser vizinho do policial. “Eu moro aqui, cara! Eu sou morador, cara!”, suplica. O entregador então grita por ajuda e parece chamar um porteiro: “Ô, Tião! Me ajuda aqui, Tião! Ele me deu um tiro, Tião! Chega aí, Tião! Sou eu, Valério!”
Ferrarini dá as costas ao baleado e volta para casa, com o lanche.
Valério foi atendido de emergência e liberado com a bala alojada.
‘R$ 7 para tomar um tiro no pé’
Ao RJ2 de sábado, Valério deu detalhes do caso.
“Ele [Ferrarini] falou que não ia lá, mandou buscar no bloco, e eu falei que não. Disse para me encontrar na portaria”, lembrou.
“Quando ele veio, ele já veio alterado. Falei: ‘Cara, fica tranquilo, fica tranquilo, eu só preciso do código’. Ele falou: ‘Me dá o pedido'!’ Eu falei: ‘Não. Me dá o código, que eu te dou o pedido’. Eu recebia R$ 7 para tomar um tiro no pé”, contou Valério.
Ele não sabe quando poderá voltar a trabalhar porque o projétil ficou alojado. “Vai depender do médico falar se dá para tirar, se continua, se tem sequela ou não. Vou ficar sem trabalhar por isso”, afirmou.
Entregadores se uniram para fazer um protesto na porta do condomínio. Eles se disseram indignados pelo fato de o atirador ter sido ouvido e liberado na delegacia após depor.
“Uma injustiça, a gente só queria o direito de ir e vir e entregar o lanche do cliente em segurança”, afirmou o entregador Breno Pereira.